quarta-feira, agosto 24, 2005

Morosidade da justiça pode evitar a execução da pena

Imunidade pode anular perda de mandato de Ferreira Torres
24.08.2005 - 08h15 Tânia Laranjo (PÚBLICO)

Avelino Ferreira Torres, presidente da Câmara do Marco de Canaveses e candidato à autarquia de Amarante, poderá já não ter de cumprir a sanção de perda de mandato, que lhe foi aplicada pelo tribunal, há mais de um ano, uma vez que o Tribunal de Amarante aceitou a sua candidatura, sanadas que foram as irregularidades detectadas nas listas.

Acusado dos crimes de peculato e peculato de uso, o autarca havia sido condenado a três anos de prisão, suspensos por quatro anos, e à pena acessória de perda de mandato. A decisão foi alvo de um recurso do Ministério Público, que defendia o agravamento da pena, o que ainda está para ser decidido no Tribunal da Relação do Porto. Porém, a imunidade de que gozam os candidatos poderá livrá-lo da sanção acessória. Isto, porque a pena só poderia vir a ser aplicada num mandato posterior. Mesmo assim, a questão não é pacífica e a maior dúvida reside na Constituição. É que se a lei da tutela administrativa sobre as autarquias locais prevê a ineligibilidade nos mandatos posteriores aos que coincidiram com a condenação, o preceito não está previsto constitucionalmente. "O que pode pôr em causa a licitude constitucional do referido preceito legal", disse Vital Moreira, quando a questão foi levantada, o ano passado, defendendo, no entanto, que era legítimo exigir a inegibilidade dos autarcas condenados.

Um ano em recurso

Ferreira Torres foi condenado pelo tribunal de Marco há 14 meses num processo em que os factos remontam há cerca de dez anos. A via-sacra do processo foi grande, desde a dificuldade para notificar o arguido até aos vários recursos que fizeram o caso estar congelado, durante anos, na Relação do Porto. O último dos atrasos deveu-se à dificuldade em transcrever o que foi dito nas audiências. A empresa contratada pelo tribunal para o fazer demorou vários meses além da data prevista, impossibilitando que o recurso entrasse nos prazos estipulados naquele tribunal superior.

Mesmo assim, o Ministério Público, na Relação, já deu o parecer há vários meses. Defendeu o aumento da pena, sugerindo a prisão efectiva por cinco anos. Argumentou também que a perda de mandato devia ser aplicada imediatamente.

No entanto, o colectivo de desembargadores ainda não se pronunciou. E agora que a candidatura de Ferreira Torres à Câmara de Amarante já está regularizada (ver caixa), o autarca beneficia da imunidade, prevista no artigo 9º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais. Esse artigo diz que, "movido procedimento criminal contra algum candidato e indiciado este definitivamente por despacho de pronúncia ou equivalente, o processo só pode prosseguir após a proclamação dos resultados eleitorais".

Por isso, a sanção acessória de perda de mandato pode nem sequer vir a ser apreciada pela Relação. Trata-se de uma "inutilidade superveniente", explica Eurico Reis, juiz desembargador. "A perda de mandato diz respeito ao tempo daquela decisão e não a mandatos futuros. Parece-me claramente inconstitucional entender-se o contrário, embora também seja rídiculo que a decisão do tribunal nunca venha a ser aplicada", acrescenta o magistrado.

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