sexta-feira, agosto 26, 2005

Dois Anúncios Que Me Fazem Espécie

Mais um blog excelente, na Mão Invísivel, não devia de estar aproveitar-me dos comentários de outros, mas se acho interessante devo de os divulgar, e dizer onde onde os vi...


"São o do BPI com José Mourinho e o da Olá com Zezé Camarinha. Em ambos, uma pessoa, que me merece respeito como qualquer pessoa, é reduzida à condição de personagem, à máscara que escolheu usar (ou as circunstâncias por ela) no grande teatro do mundo. E que talvez não mereça o mesmo respeito.
Mourinho é o jovem triunfador, coroado de louros pela Taça UEFA e pela Liga dos Campeões aos trinta anos, pelo campeonato inglês com 15 pontos de avanço, pela fama de predador insaciável, pela ambição de "ganhar tudo". Camarinha, o célebre engatatão do Algarve, o homem que já foi para a cama com centenas de turistas, o mais activo membro viril da anglofonia lusitana, é o velho sedutor.
O primeiro quer ser admirado e temido pelas suas vitórias na guerra. O olhar frio e distante, o discurso combativo, o sobretudo de campanha evocam a determinação de Alexandre, a grandeza de César, o génio de Napoleão.
O segundo quer ser invejado pelos seus êxitos no amor. O rosto bronzeado, o inglês coloquial, os óculos escuros da feira revelam o Casanova das proletárias em férias, o D. Juan de praia, o Capitão Roby de uma noite de Verão.
Eis o "horizonte de expectativa" dos dois anúncios. O de Mourinho, que "se não fosse para ganhar, não estaria aqui..." O de Camarinha, que come gelados e bifas com um "thank you very nice".
Porque que é que isto me faz espécie?

Porque a publicidade glorifica, legitima, torna apetecível, impõe modelos. (Não se chama assim aos mancebos e donzelas que dão o corpo ao manifesto?) E eu não vejo nada de glorioso ou modelar nas personagens de José e Zezé.
Mas Mourinho não é um general de sucesso? É. Ganha. Muitas vezes. No estrangeiro, ainda por cima. E, quando perde, culpa sistematicamente a arbitragem. Ou agarra a camisola de um jogador adversário que se prepara para fazer um lançamento rápido. Ou acusa falsamente um colega (Rijkaard, do Barcelona) de "falar" com o árbitro no intervalo de um jogo. Ou lança uma suspeita parecida sobre Alex Ferguson e o poderoso rival de Manchester. Ou dá a entender uma amizade com o mesmíssimo Ferguson para sublinhar o trato distante com Wenger, do Arsenal. Ou tenta contratar Ashley Cole, passando por cima da lei e do gentlemen`s agreement que vedam negociações à margem dos clubes.
E Camarinha não é um amante de sucesso? Parece que sim. E só não parece mais porque, entre nós, os negócios abaixo da cintura têm um direito à privacidade reservado, no Norte, aos negócios em cima da mesa. Ora tudo (ou seja o dito anúncio que me faz espécie) indica que o nosso pinga-amor não quer fazer uso de semelhante direito, seja qual for a latitude, ou não o entende lá muito bem, seja em que língua for. Acresce que, agora, também ganha com os tais negócios algo mais do que a eterna gratidão das amadas. O que não passava de um desporto, tornou-se um rendimento. O que não passava de uma colecção pessoal, tornou-se uma marca registada. À conta do gelado (nada de trocadilhos, por favor), o amador profissionalizou-se. No grémio mais velho do mundo.
Dir-me-ão que cada um escolhe a imagem e a vida que lhe apetece. Que todas as figuras públicas o fazem. Que todos fazemos, afinal, a nossa "apresentação do eu" (lê o Goffman!). Que se trata de transacções entre adultos livres. Que vivemos numa economia de mercado. Que os métodos dos Zés funcionam. Que já não estamos no tempo das guerras com punhos de renda. Que eu sou um moralista. Que eu sou um conservador. Pior: que eu sou um invejoso. Pior ainda: que nenhum português, na hora da verdade, recusaria estar no lugar deles!
Acredito que sim. Mas não acredito que todos os bens são negociáveis. Nem que os fins justificam os meios. Nem que um cavalheiro (oh, a palavra proibida...) pode fazer tudo o que a lei não impede. O que a Olá e o BPI nos propõem é o pior do capitalismo: o triunfo a todo o custo, mesmo ao preço da própria dignidade. Ou da dignidade alheia. Chamam a isso "ganhar"? No thank you, not very nice."

in A Mão Invísivel

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