sexta-feira, agosto 26, 2005

A manif de todas as siglas

Com a crise político-militar no auge, aumentavam os rumores vindos de todos os quadrantes e as promessas da "semana decisiva". Ao contrário do jornalismo de "fontes anónimas" que hoje reina por aí, todos os protagonistas (e candidatos a tal) eram ou queriam ser fonte. Indecisos, os jornais davam largo espaço aos comunicados, mesmo que logo desmentidos.

A vertiginosa marcha dos acontecimentos impedia, às vezes, de descobrir quanto valia cada personagem política ou militar. Fabião tinha peso suficiente para substituir Vasco Gonçalves? E fora ou não convidado por Costa Gomes para chefiar o VI Governo, cujo elenco até já estaria formado? Enquanto o DN comentava esses rumores na primeira página, nas interiores João Cravinho e Jorge Sampaio esclareciam a sua posição enquanto personalidades socialistas (ainda) independentes.

Contavam-se já as espingardas e os apoios, afinavam-se estratégias e alianças tácticas. É neste contexto que surge a Frente de Unidade Revolucionária convocando uma manifestação para o dia seguinte. A reunião preparatória dessa manif tivera a presença de militares do MFA, "que actuaram como elementos aglutinadores".

Seguia-se a lista das organizações aliadas FSP (Frente Socialista Popular, de Manuel Serra), LCI (Liga Comunista Internacionalista, trotskista), LUAR (Liga de Unidade e Acção Revolucionária, de Palma Inácio), MES (Movimento de Esquerda Socialista, de Augusto Mateus e Ferro Rodrigues), PC (provisoriamente embarcado nesta aventura para dar alguma satisfação à pressão das bases), MDP/CDE (já claramente "satelizado" pelo PC), PRP/BR (Partido Revolucionário do Proletariado/ Brigadas Revolucionárias, de Isabel do Carmo e Carlos Antunes) e 1.º de Maio (organização de base).

Os antagonismos agudizavam-se e as ameaças subiam de tom. Num comício do PC em Faro, Dias Lourenço garantia "Se for necessário, pegaremos em armas para defender a legalidade revolucionária."

Tudo isto tinha consequências na desestruturação económica o último inquérito de conjuntura do Instituto Nacional de Estatística revelava uma quebra acentuada na produção industrial.

Curiosa, neste cenário, era a leitura da secção de anúncios. Muitos andares vagavam, por motivo de força maior (partida acelerada dos proprietários para o Brasil) e vendiam-se a preços muito convidativos.

Era aí, nas páginas de anúncios, que se podia ler o apelo de um emigrante, pedindo "ao gatuno" que lhe devolvesse documentação "para a morada indicada nos cartões de identidade".

Quase à margem de toda a agitação político-militar, parecia viver o mundo do futebol. Os clubes preparavam a época prestes a começar. O Sporting apresentaria a nova equipa no dia seguinte, em Alvalade, em jogo com o Académico de Coimbra (sucessor, por uma década, da Académica, extinta em 1974 por uma assembleia magna de estudantes). Os bilhetes encontravam-se à venda na secretaria do clube aos seguintes preços bancada central, 80 escudos; lateral, 60; superior, 40; geral, 20; sócios, 20 escudos. Muitas esperanças renasciam nos relvados.

in DN

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